domingo, 15 de novembro de 2015

Por que sou vegetariano: uma experiência de pensamento.

O que vem a seguir não se intenciona a ser representativo de nenhum outro vegetariano.

Como todo vegetariano, sou sempre perguntado o por quê disso. Eu geralmente digo algo como "não quero ser uma pessoa violenta", mas sinto que os indagadores não entendem por que seria preciso parar de comer carne para deixar de ser violento.

Para demonstrar a minha ideologia de vegetarianismo, vamos fazer uma experiência clássica de imaginação. Suponha que você está num trem impossível de ser freado, cujos trilhos apresentam um desvio à frente. Cinco pessoas estão presas ao trilhos principais após o desvio. No desvio, três galinhas estão presas aos trilhos. Você tem o poder de mudar o percurso do trem e fazê-lo se direcionar ao desvio. O que você faria? Sob um certo ângulo, devido à ausência de uma terceira opção, permanecer neutro equivale a não fazer nada e permitir que o trem siga o percurso principal. Bom, eu não faria nada.

À primeira vista, minha atitude parece ridícula para a maioria das pessoas, pois elas sempre trazem suas justificativas para a ideia de que as vidas humanas merecem mais proteção que a vida das galinhas. É extremamente difícil convencer essas pessoas a examinar essas justificativas num plano neutro onde elas sejam falseáveis, tornando a discussão posterior difícil. Geralmente não é preciso chegar a esse ponto para que ambas as partes concordem em discordar.

Mas vamos suspender ainda mais as formalidades para tentar aprofundarmo-nos um pouco nesse ponto de uma maneira empática. Vamos supor outra situação, e dessa vez vamos imaginar que apresentaremos essa pergunta a uma grande população. Suponha que ao invés de galinhas, estão presos aos trilhos do desvio três homens assassinos. Sabemos que muitas pessoas responderiam que elas garantiriam que o trem seguiria o percurso do desvio. Suponha que ao invés de três assassinos, haveriam três estupradores. Algumas pessoas ainda seguiriam o desvio. Suponha agora um debochador de uma religião no desvio, e um fiel dessa religião na via principal. Ainda algumas pessoas escolheriam o desvio. Claro, cada vez mais, as pessoas que escolhem o desvio divergem da moralidade humana em seus princípios básicos. Elas são cada vez mais consideradas pessoas imorais. Mas independente de onde você se encontre nesse espectro, a pergunta que fica é: onde fica o limite, dentro deste experimento, entre uma pessoa justa e um carrasco? E quais situações apresentam escolhas mais pertinentes e mais claras do que outras?

Como vegetariano, o que proponho é desfazer essas perguntas. Não devemos nos focar em encontrar esse limite, ou justificar escolhas baseados no contexto das situações. Ao invés de encontrar esse limite analisando a moral, vamos nós mesmos definir esse limite, e para ficarmos seguros, vamos defini-lo da forma mais restrita possível: apenas o mínimo de violência possível é permissível. A ausência de violência é uma ideia sem sentido. Mas um mínimo é alcançável.

Vamos fazer listas ordenadas desses dilemas morais. A lista indica o quão imoral uma pessoa é por não permanecer neutra numa situação. A maioria das pessoas ordenariam esses dilemas morais sucessivos da seguinte forma, de moral para imoral: galinhas/humanos inocentes, assassinos/inocentes, estupradores/inocentes, debochadores/crentes. Eu mudaria essa ordem para colocar "galinhas/humanos inocentes" no final da lista, como a escolha mais imoral. Contudo, a ordem não é o mais importante! O mais importante é que a ordem não importa! O mínimo de violência pode ser definido tão pouco quanto impossível de quebrar a neutralidade em quaisquer desses casos. Muitas pessoas não conseguem definir esse mínimo como sendo tão baixo, por conta das suas justificativas para um mérito maior da vida humana. E essa é uma razão pela qual eu não nego as prerrogativas de uma pessoa de ser onívora. Penso que não posso bater na mesa e estipular quais são as justificativas mais válidas, pois isso seria abandonar a dialética, a democracia e, acima de tudo, seria outorgar o absolutismo e o antropocentrismo (a ideia de que é possível encontrar um referencial absoluto, especialmente se for centrado no humano).

Mas o mais importante nisso tudo, para mim, é esclarecer o ponto de origem da divergência, e, melhor ainda, ajudar um lado a compreender o outro e estabelecer uma conexão clara entre eles. Expondo o ponto de divergência através das justificativas para o antropocentrismo, uma pessoa pode mais facilmente examinar essas ideias e determinar se ela concorda mais com um lado ou com outro, e evoluir esse posicionamento ao longo do tempo.

Por fim, eu espero que as pessoas entendam que a motivação do meu vegetarianismo é a violência, e entendam porque comer carne seria um ato de violência (no sentido imoral da palavra). Ao mesmo tempo, caso discordem, entendam como cheguei a essa conclusão e como elas mesmas chegaram a à sua própria conclusão (porque não é todo mundo que pensa nisso, e não é todo mundo que pensa nisso direito).