segunda-feira, 23 de maio de 2011

SOBRE UM POUCO DA EXISTÊNCIA, PT. II, SOBRE A TERMODINÂMICA DA SOCIEDADE, PT. III OU SOBRE A DICOTOMIA BEM/MAL, PT. II

O ser interage com o mundo físico! O mundo físico faz parte do ser. Nosso conhecimento sobre o mundo físico é evidentemente imperfeito, mas apenas através dele podemos interpretar nossa própria existência de uma maneira plausível. O que acontece quando o ser interage com o mundo físico? Ele respeita as leis desse mundo! É óbvio, o mundo físico é descrito por leis universais, que, por mais que nos forneçam apenas aproximações da verdade, nunca dando uma resposta absolutamente correta (ou filosoficamente correta), são inexoráveis. Essas leis podem nos dar um resultado apenas aproximado, mas um mesmo fenômeno vai sempre resultar numa mesma aproximação, respeitando o erro inerente à observação experimental. Se isso não ocorre, não há motivo para pânico (não demasiado), atualizam-se as leis físicas para que elas compreendam então os novos fenômenos descritos. As leis se tornam tão úteis por esse motivo que servem até para medir os nossos atos.

Ponderemos agora um pouco mais sobre a existência do ser. Algo que nós “sabemos” que não pode acontecer é existência surgindo “do nada” e existência “desaparecendo”. É a primeira lei da termodinâmica. Caso essa lei não fosse respeitada, notaríamos imediatamente: uma chaleira quente poderia de um momento para outro perder calor a ponto de seu conteúdo líquido congelar, ou uma enorme porção do universo (digamos, um milhão de galáxias) poderia desaparecer de uma hora para outra, fenômenos desse tipo poderiam ocorrer. Mesmo que o aparecimento e desaparecimento ocorresse de forma ordenada, não haveria uma razão pela qual tais eventos deveriam ocorrer. Se não há razão, isso significa que o universo poderia desaparecer por inteiro ou surgir novamente sem motivo.

O universo é nosso grande sistema, com seus subsistemas (mencionados no post anterior) “ser” e “vizinhança”. No mundo físico as consequências da complexação do ser vão ser sentidas através do “corpo” e do “meio ambiente” (que não tem necessariamente ligação direta com o ser e a vizinhança). O universo (admite-se) é um sistema isolado, e por ser tratado como um sistema inteiro, entende-se que qualquer subsistema em seu interior seja aberto. Disso tiramos que o ser, a partir de seu nascimento, interage com a vizinhança. Dela ganha informações, armazena-as em si, transmite informações para ela. Para isso, processos físicos definidos tem de ocorrer. O corpo executa tarefas específicas, provocando mudanças na vizinhança, e sofrendo influência dela. Estando os desenvolvimentos do corpo e do ser intimamente ligados, cada transformação do ser implica numa transformação do corpo, mas as transformações do corpo são mediadas por equivalências matemáticas bem definidas. De um lado entram os elementos iniciais, de outro, temos os produtos gerados pelo processo de desenvolvimento e uma quantidade de energia perdida (dissipada) durante esse processo. O valores absolutos de entrada e de saída devem ser iguais, dando um resultado líquido nulo para o processo, dizendo para nós que o processo de transformação demanda uma quantidade de elementos de entrada, uma quantidade de elementos de saída e que a existência total antes e depois do processo é a mesma, respeitando a lógica do universo, sem criar ou destruir existência.

É isso que nós vemos todos os dias. Afim de continuarmos exercendo nossa existência, fazemos o meio ambiente e o corpo passarem por processos de transformação, que vão sustentar o ser. Ao beber água, por exemplo, uma pessoa provocou uma mudança no planeta, reduzindo a quantidade de água potável, provocando uma alteração em seu próprio corpo, aumentando a fração de água que compõe esse corpo etc. A quantidade de água potável inevitavelmente diminuiu, e não há nada que a pessoa em questão possa fazer quanto a isso enquanto mantiver o seu desejo de continuar viva. Após o consumo da água, novas fontes de água precisarão ser exploradas. Para ajudar nessa questão, a água pode passar por um processo de reciclagem, sendo tratada de forma a se tornar reutilizável. O problema com isso é que a reciclagem demanda energia. A água precisa ser reciclada justamente por não poder ser restaurada ao seu estado anterior, após ingerida e excretada, ela passa para um estado diferente. Existe uma barreira que impede que esses dois estados se comuniquem naturalmente. A água livre possui, sob um dos ângulos pelos quais se pode estudar esta questão, um menor conteúdo de energia livre. A energia livre é a chave para um processo de transformação, a energia livre é o elemento consumido diretamente durante tal processo. Utilizando apenas a água poluída em si, com seu conteúdo de energia livre inferior, não podemos apenas com isso restaurá-la a um estado de conteúdo de energia livre superior. Precisamos, claramente, de mais energia livre para isso! A principal fonte de energia livre da qual dispomos atualmente é o Sol. À cada instante, sua entropia vai aumentando, e parte de seu conteúdo de energia livre é emitido para a Terra, que é então utilizado para restaurar as coisas terrestres aos seus estados mais convenientes. É claro, outra parte importante do conteúdo energético total do Sol (uma quantidade de energia que foi subtraída da energia total do Sol para fornecer sua energia livre – ver descrição de “Energia livre” na internet, caso necessário – ) foi expelida na forma de calor, uma forma não-livre de energia.

Às nossas custas e às custas do resto do universo, o Sol se deteriora. E é isso que rotineiramente ocorre. Para que um subsistema continue estável (em outras palavras, você continue vivo), o meio ambiente se deteriora. E a pior parte: ele se deteriora “mais que o necessário”, pois parte da energia que ele fornece não pode ser aproveitada. Essa energia perdida impede que subsistemas se mantenham estáveis para sempre, reciclando sua própria energia (ver “Máquina de movimento perpétuo do segundo tipo” na internet). Além de se deteriorar mais que o necessário, o meio ambiente se deteriora em uma taxa maior a cada vez que retiramos energia dele (o que não será comentado em mais detalhes).

Na natureza, essa relação deteriorante indivíduo-meio ambiente é onipresente. O fato de estarmos vivos implica imediatamente na destruição de alguma porção do universo para a construção de nós mesmos. Às vezes, destruímos existência “inanimada” para isso, como geralmente os autótrofos fazem. Quando fazemos isso, destruímos parte dos recursos que outro indivíduo utilizaria para sobreviver. Na maioria dos casos não parece muito (um copo de água não será provavelmente a causa de morte por desidratação de outra pessoa), mas em alguns outros essa relação pode significar a sobrevivência de um indivíduo sobre a morte de outro (pense em uma fila para transplante de órgãos). Outras vezes destruímos outros seres vivos, o nicho dos heterótrofos.

Em nossa vida imersa no senso comum, a percepção dessas leis e relações universais parece muito diluída em abstrações desnecessárias, quando queremos resolver problemas práticos, tais como dirigir até o trabalho.

A locomoção é uma relevante questão de logística. Em nossa sociedade complexa e organizada, indivíduos precisam se locomover de forma ordenada de modo a não formar “nós”, congestionamentos, bloqueios. Nosso desenvolvimento muito se atrasaria sem uma eficiente engenharia de trânsito. O sistema de trânsito leva em conta a existência de muitos veículos viajando através das vias, cada um respeitando o espaço limite um do outro, mantendo uma distância segura e respeitando a sinalização. É tudo muito elegante quando descrito de um ponto de vista macro, apresentando a visão geral do projeto de engenharia de trânsito clássico que é realizado mundo afora. O problema é que cada indivíduo que conduz um veículo respeita as leis físicas acima das leis do trânsito (obviamente, as leis da natureza são inexoráveis, as leis criadas por seres humanos...) e vai procurar um estado de conformação mais estável. Por exemplo, andar muito lentamente exige maior consumo de energia por parte do condutor (e também por parte de muitos carros), já andar numa velocidade mediana ou alta sem muitas interrupções demanda menos esforço por parte do condutor. Na grande maioria dos casos, um condutor vai tentar fugir de um congestionamento ou outra barreira que o impeça de atingir esse estado mais estável, em que ele não esteja muito lento. Um outro condutor poderia estar numa situação semelhante, na mesma via ou em uma via próxima. Como eles não precisam ter conhecimento do estado um do outro, na tentativa de se libertarem de seus estados menos estáveis (acelerarem) ou após terem se libertado (saído do congestionamento), eles podem colidir. Mesmo respeitando as leis de trânsito, esse tipo de evento pode acontecer (e acontece!).

Olhando por outro ângulo, o deslocamento humano ou de bens para o uso humano ou de indivíduos vivos para a exploração humana demanda o uso de veículos. Veículos de tração humana não são suficientemente eficientes. Veículos de tração animal, além de não serem eficientes, trazem prejudício ao animal. Daí pra frente, uma solução levará a um novo problema. Os veículos de combustão interna funcionam às custas de um mecanismo que emite poluente à atmosfera. As pessoas geralmente precisam se deslocar, apesar da boa intenção de utilizar o veículo poluente com o único intuito de ir para o trabalho e “ser produtivo”, o pequeno prejuízo é inevitável. Com o tempo, todo o acúmulo de poluentes emitidos pelos veículos que carregavam pessoas com intenção de se deslocar de casa para o trabalho e de volta para casa acabou levando a alterações climáticas que afetam pessoas em lugares variados pelo mundo. Novas formas de combutível, como o biodiesel, apenas reduzem o prejuízo a níveis suportáveis. É preciso extinguir a flora local para cultivar plantas que possam ser aproveitadas para a produção de combustível. Isso faz pressão sobre a utilização de terras para o cultivo de produtos agrícolas para o consumo humano (alimentos).

sexta-feira, 20 de maio de 2011

SOBRE A TERMODINÂMICA DA SOCIEDADE, PT. II OU SOBRE A DICOTOMIA BEM/MAL, PT. I

Nós somos seres marcados pela influência de duas forças dicotômicas, uma construtiva e outra destrutiva, do ponto de vista da cooperatividade. Formigas são seres altamente sociais, mantendo intensamente relações complexas entre si, enquanto escravizam pulgões para que produzam alimento initerruptamente. Lobos apóiam os membros da matilha, mas estraçalham os corpos de presas desavisadas. Em nós parecem residir duas forças que não podem atuar em conjunto num mesmo momento, as quais em nosso senso comum nós denominamos “bem” e “mal”.

No entanto, a manifestação dessas forças é possivelmente superestimada ao ser considerada como um fenômeno em si. Mais parece que a manifestação de uma dessas forças é a consequência visível de um processo mais fundamental e mais abstrato acontecendo. Nós recorremos a elas, afinal, ao final de uma ação, para julgá-la. Seria sensato então estudar a própria ação para obtermos uma compreensão melhor daquilo que o senso comum tão displicentemente chama de bem e mal.

Nos posts anteriores foi discutida a natureza do “pecado”, em outras palavras, a ação julgada como má. A conclusão foi de que a má ação é caracterizada por um resultado líquido prejudicial. Claramente, essa conclusão é vaga o suficiente para abranger inúmeros eventos comuns! A coisa fica mais complicada dentro do contexto temporal, onde uma má ação (que cause um trauma ou estresse, por exemplo) possa proteger um indivíduo de um evento prejudicial futuro (onde o indivíduo esteja prevenido contra o mal incorrente, ou acidentalmente retirado da área de alcance do evento prejudicial, por exemplo).

No final das contas, aquele que sofrerá as consequências das ações e aquele que as julgará é o ser. E para entendermos um pouco da natureza das ações é preciso antes entender um pouco da natureza do ser.

O ser é aquilo que não deveria ser. Surge de alguma forma a partir de existência bruta (e talvez também de um pouco de um ser anterior), desenvolve-se em existência na forma de um ser e logo depois retorna ao estado anterior de existência. Estes são os eventos previstos pelo nascimento e morte. O ser, assim representado, pode ser interpretado como uma parte de um grande sistema, sendo o próprio ser um subsistema do grande sistema (o chamemos de universo). Delimitemos também um subsistema do universo chamado “vizinhaça”, que é tudo aquilo que circunda o ser dentro de um determinado espaço não grande demais. Em nosso esquema, o ser interage imediatamente com a vizinhança, que é grande o suficiente para afastar o ser do universo de modo que as consequências dos eventos que aconteçam ao ser possam ser ignoradas fora dos limites da vizinhança. Sendo o ser e a vizinhança subsistemas do universo, o resultado líquido da interação entre ser e vizinhança poderá ser medido como uma mudança nas propriedades do universo.

Analisemos o ciclo de vida de um ser. Partindo do pressuposto de que ele não existe, ou não existe de forma complexa, antes do nascimento, é como se ele possuísse um valor nulo ou quase nulo de complexidade no instante de seu nascimento. Na região do universo em que o novo ser surgirá, existiam talvez apenas alguns seres e formas brutas de existência (como a matéria), com suas complexidades definidas e variando de um modo definido. No entanto, quando o novo ser surge, uma nova fonte de complexidade aparece, e o ser vai se desenvolvendo em uma existência cada vez mais complexa ao longo do tempo.

O que acontece nesse meio tempo são processos ainda não compreendidos, que vão ser sentidos no mundo físico de formas muito estranhas, como o movimento de quantidades de massas entre posições distintas no universo, variação das propriedades termodinâmicas do sistema relacionado à existência bruta associada ao ser (ou melhor dizendo, seu “corpo”) e a aquisição, transmissão e armazenamento de informações entre vários objetos físicos. Entre esses vários sintomas estranhos, dois podem ser considerados notórios para a interepretação da existência do ser através de fenômenos físicos: a variação total da entropia e a variação total da energia livre do universo.

A partir de seu nascimento, o ser se torna gradativamente mais complexo, sem que possamos explicar esse mecanismo de uma maneira clara, no entanto, analisando sua contraparte física, conseguimos medir o grau de expressão dos sintomas físicos que o processo de complexação do ser provoca. A sua contraparte física seria justamente aquele subsistema do universo físico que parece ser diretamente influenciado pela vontade e ações do ser, e que pode ser subdividido em “corpo” e “meio ambiente”, onde “corpo” representa o sistema físico delimitado espacialmente pelo volume do espaço geométrico ocupado pelo corpo de um indivíduo vivo e “meio ambiente” representa o espaço físico-geográfico mais sensivelmente influenciado pelo corpo do indivíduo.

O que quer que aconteça ao ser em sua dimensão fundamental, no universo físico o seu corpo (o sistema físico denomidado “corpo” definido logo anteriormente) sofrerá as consequências, que a partir desse corpo serão transmitidas para o meio ambiente. A análise puramente teórica da influência desse processo nas propriedades do universo é suficiente para afirmarmos que, como resultado de qualquer interação entre o corpo e o meio ambiente, a entropia do universo sempre aumenta, e sua quantidade de energia livre diminui. Para o sistema físico, essas duas propriedades termodinâmicas sempre respondem nesse sentido quando se avança com o processo de complexação do ser. Somos capazes agora de inferir uma relação indireta entre o processo de complexação do ser e as consequências físicas de tal processo por nós sentidas.

Muito bonito, mas qual a importância disso? Tudo isso serve-nos para dizer (com segurança) apenas que a segunda lei da termodinâmica (todas as leis, aliás) se aplica aos seres e seu processo de desenvolvimento. O que isso quer dizer é que, não importa que tipo de existência seja, mais entropia será gerada no universo desde que essa existência não permaneça imutável, e, consequentemente, para cada processo, cada fenômeno, cada ação, um desperdício energético será provocado. Esse desperdício energético é descontado diretamente da energia total disponível para que os processos ocorram. Pondo em termos mais simples, é como se um processo ao ser realizado tornasse cada vez mais difícil a realização do próprio processo, através da menor disponibilização de energia para que ele ocorra, é como uma pessoa comendo uma tigela cheia de arroz e, para cada grão de arroz que come, mais difícil será para ela comer todo o resto do arroz na tigela.