sábado, 17 de outubro de 2009

SOBRE A SOCIEDADE

A sociedade é o dispositivo e o fenômeno gerados e ministrados pelos seres humanos através de um acordo subliminar de livre convivência e respeito mútuo.
A sociedade é, por natureza, um fenômeno antianarquista e imperativo que não respeita a liberdade do ser humano. Uma vez que se nasça dentro dos limites da esfera terrestre (e, talvez, da relação direta de dois indivíduos membros de uma mesma sociedade), o indivíduo é considerado membro e lhe são impostas relações, atos, condições e situações não previstas no sentido de individualidade do ser.
Óbvio, um ser humano em seu estágio inicial de desenvolvimento necessita de um amparo que lhe é fundamental, e que só lhe pode ser forçado, uma vez que esse ser humano é incapaz de interpretar as interações interpessoais, sua própria condição, comunicar-se de forma plena e completa e de se autossustentar. Por esse motivo, para os seres humanos a sociedade é um fenômeno inescapável e um contrato irrecusável.
Quando o ser humano atinge a maturidade intelectual suficiente para demonstrar plena consciência de si e do universo, uma dicotomia lhe ocorre: apesar do direito de igualdade na conduta que um ser humano deve ter para com o outro, é forçado a esse indivíduo aceitar as imposições da lei local de onde ele estiver, sofrendo influência do que representa a vontade geral de todo um conjunto de pessoas e que pode entrar em confronto com a sua própria vontade. Com efeito, a autoridade em que se baseia a lei local é um acordo de relação entre os membros. Caso um indivíduo queira se desprender da sociedade, isso não lhe é possível, a não ser que ele se retire da região de influência da sociedade, o que, em si, ainda não deixa de ser discutível.
Ora, um ser humano, desde que não prejudique um outro, deveria ser respeitado em seus desígnios, o que, embora soe como um preceito racional, já é impossível. Tomemos como exemplo a hipótese de que a água é um recurso não renovável para os propósitos de consumo e fundamental à sobrevivência, e que uma quantidade consumida por uma pessoa signifique uma redução da quantidade de água disponível para outra. Como a água não é um bem que pertence exclusivamente a nenhuma das duas, a redução da quantidade de água disponível caracteriza já uma forma de prejuízo, mais visível quando a quantidade não for suficiente para suprir duas pessoas ao mesmo tempo. Do mesmo modo, apenas o fato de uma pessoa ocupar espaço nas proximidades de outra já caracteriza uma forma de prejuízo, uma vez que essa restringe a liberdade da outra, lhe priva o direito de ir e vir (no respectivo caso, ir ao ou vir do lugar que a outra pessoa ocupa).
Temos, portanto, que a sociedade é de natureza paradoxal. Não há como haver o pleno respeito da liberdade de um indivíduo, e, entretanto, a liberdade é um importante direito do ser humano, e é até bem interpretado na constituição internacional.
Através disso, concluímos que a influência dos atos de um indivíduo sobre todos os outros é inevitável, logo, o estabelecimento de um acordo é essencial para a saúde das inter-relações. Compreendemos, portanto, que a dualidade que a sociedade causa representa o que deve ser um equilíbrio entre a liberdade e o prejuízo, sendo a sociedade fundamental nesse aspecto para o bem estar da população e que não necessita ser resolvida em sua antítese.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

SOBRE O PECADO

O pecado existe, afinal. Não é preciso considerar a existência de um deus para que se guarde de ter uma vida em desobediência à moral comum.
Caso seja desconsiderada a existência de uma entidade de juízo espiritual, a única mudança a ser notada é a própria consequência do pecado, uma vez que, alheio às tramitações da lei escrita e direta, cabe ao próprio ser julgar a sua conduta em razão disso e o seu próprio destino, desde que este lhe caiba cumprir.
Com efeito, o pecado não consiste naquilo que é alheio à regra de boa conduta moral. Essa definição limita o poder de harmonização da vida humana e restringe, às vezes até bloqueando, as ações extraordinárias de boa intenção comunitária. O que caracteriza o pecado é, na verdade, o ato que desarmoniza o interior do ser.
Ora, se considerarmos um ser humano com patologias psíquicas, cuja moral é fatalmente distinta daquela que cabe aos seres lúcidos, entendemos que este não detém pleno controle sobre suas ações e o absolvemos de suas faltas para com a comunidade. Do mesmo jeito, se temos uma pessoa lúcida e esta vem a prejudicar outra pessoa ou um número qualquer de pessoas, ou ainda a si mesma, essa pessoa é considerada culpada de falta contra a moral da sociedade, e é, portanto, expurgada de seus crimes a partir de procedimentos oficiais, informais ou pode até mesmo jamais lhe ser concedido o perdão.
O prejuízo causado por um indivíduo, quando considerado danoso, é um fator de desarmonização da vida e da própria sociedade, o que se contrapõe ao progresso da humanidade, desrespeita o direito de igualdade (se esse vigorar na moral da sociedade em questão), desrespeita o acordo de convivência dessa e a fere a integridade. Em outras palavras, interfere destrutivamente na saúde das pessoas em geral. Esta é, de fato, a definição de “prejuízo”.
O pecado, enfim, é tudo aquilo que o indivíduo lúcido considera “prejuízo” e que, além disso, não irá proporcionar um avanço em prol da melhoria da qualidade de vida da população como um todo, seja até mesmo pela influência de um crime contra uma única pessoa, que desarmonizará a vida de um ou mais indivíduos quaisquer que sejam sem lhes trazer benefícios e desenvolvimento compensadores a posteriori.
A definição do pecado em si elimina a necessidade de qualquer juízo superior para a sua observação, muito embora não ofereça nenhuma base para o estabelecimento de uma tramitação expurgatória do mesmo.
E, por fim, como consequência da lucidez do indivíduo praticante do pecado, a detecção desse pecado se dá através do velho mecanismo proposto nos tempos antigos: se teu ato lhe ferir a consciência, tens pecado. De fato, por serdes lúcido tens a plena consciência de serem teus atos prejudiciais ou construtivos, não obstante o prazer e a satisfação que esses lhe proporcionem.