segunda-feira, 8 de novembro de 2010

SOBRE A TERMODINÂMICA DA SOCIEDADE, parte 1

Primeiro, uma introdução sobre a termodinâmica.

A maioria de nós está familiarizada com as leis da termodinâmica. Todos nós incluídos nessa maioria sabemos que essas leis se aplicam a todos os processos físicos. E, pensando bem, que processo não é físico, não é?

O fato é que qualquer processo que ocorra só pode se dar mediante uma transferência de energia. Já dizia o filósofo chinês, “espontaneamente” só ocorre aquilo que vai trazer mais harmonia para o ambiente. Isso quer dizer, por exemplo, que a água vai escoar de um nível de maior energia potencial para um de menor energia potencial, ou melhor, do topo de uma montanha para uma foz no oceano. E se por acaso nós levarmos um bocado de água para o vácuo do espaço, esse bocado escoará para todos os lados vaporizando-se. Ora, a água que desce do topo de uma montanha perde energia. Transforma energia potencial em energia cinética e devido à fricção com o sedimento do fundo e com o oceano, na foz do rio, dissipa essa energia cinética na forma de calor. A tendência é de que a água se acumule ao redor do centro da Terra, perdendo cada vez mais energia. É óbvio entretanto que a água não pode escoar até esse lugar porque muitas coisas estão ocupando o espaço abaixo da crosta terrestre. E, para que essa água tome o sentido inverso, para que ela flua seguindo uma direção em que sua energia potencial aumente, devemos fornecê-la energia.

Mas nós não podemos criar energia. Temos que tirar certa quantidade de energia livre de algum ponto e utilizá-la para provocar um deslocamento proporcional na água. Essa energia só pode advir de algum processo semelhantemente “espontâneo”. Ou seja, nós só conseguimos “desestabilizar” a água um pouco mais à custa de uma “estabilização” equivalente de outro sistema. E nós sequer somos capazes de desviar essa energia necessária de um sistema para o outro com eficiência total. Nós precisamos pegar emprestado um pouco mais de energia de um sistema do que é necessário para provocar uma transformação em outro sistema, dessa forma contando com a quantidade que certamente desperdiçaremos no processo.

Esses são uns dos princípios que regem todos os acontecimentos. Nosso corpo foi projetado de forma a utilizar a energia potencial dos alimentos para provocar alterações que vão contra o sentido de estabilização em nosso interior. Nossas células mantém a todo momento gradientes de concentração de solutos que não correspondem a equilíbrios espontâneos. Se uma pessoa não se alimenta, por exemplo, não consegue manter a consciência, pois não há energia disponível para que as células nervosas transmitam impulso nervoso (que é transmitido mediante uma alteração no potencial de membrana mantido artificialmente na superfície dessas células).

Tendo discutido sobre esses princípios e exemplos, podemos aplicá-los a tudo. Uma empresa pode desenvolver um cálculo que envolva eficiência logística, custo de produção, treinamento e outros parâmetros que dê a relação ideal entre eles para que o rendimento do capital investido seja máximo. Ou seja, quanto e como ela deve investir para lucrar e crescer ao máximo. Esse cálculo envolve, obviamente, o desperdício. A Manutenção é um setor que lida diretamente com o desperdício na indústria, mas esse desperdício pode se dar de inúmeras formas não contempláveis por esse setor.

Agora partamos para uma ligeira digressão.

Suponhamos que a humanidade tivesse se desenvolvido sob o modelo mais próximo de uma anarquia absoluta. Que dentro desse tal modelo, todo tipo de organização social fosse evitada. Dessa forma, um único humano teria de ser responsável por todas as tarefas a serem cumpridas de acordo com seu instinto de sobrevivência. Um escambo não seria permitido pelas condições da nossa suposição. Portanto, seria necessário que uma pessoa plantasse, colhesse, criasse seus próprios animais, coletasse ou adquirisse alguma forma de alimento por conta própria. Seria necessário que ela encontrasse ou construísse sua própria habitação.

Em nossa sociedade nós temos organizações que cuidam dessas e de inúmeras outras tarefas (muitas das quais apenas aqueles que trabalham especificamente nelas as conhecem). A razão para essa organização é simplesmente logística. Se você se perdesse numa ilha deserta, seria muito improvável que conseguisse manufaturar copos, louças, talheres, sanitário, escoamento de esgoto, geradores elétricos, geladeira, forno microondas, papéis de parede, vidrarias, tinta, canetas etc. mesmo que tivesse disponível todo o conhecimento necessário para isso. O gasto energético necessário para todas as “tarefas” desempenhadas por seres humanos na sociedade atual extrapola em muito o tempo de vida médio de uma única pessoa.

É bem mais plausível que uma pessoa execute uma tarefa específica durante toda a sua vida, produzindo mais do que é necessário para ela mesma, mas suprindo assim a necessidade de um número bem maior de pessoas. Esse caminho é “menos energético” em comparação com a nossa sociedade anarquista hipotética.

Imaginemos agora que uma pessoa decida sozinha, a partir de matéria prima extraída diretamente da natureza, por uma sonda espacial em órbita. Seria preciso que ela construísse um sistema complexo com a única função de cumprir essa tarefa, e uma quantidade descomunal de energia seria gasta. Se outra pessoa sentisse a necessidade de realizar a mesma tarefa, esta também despenderia uma quantidade descomunal de energia. Podemos ampliar este exemplo para um número qualquer de pessoas e aplicar para qualquer outro tipo de tarefa. Seria menos dispendioso se apenas uma pessoa se incumbisse de lançar a sonda na órbita terrestre e fornecesse os resultados para as outras pessoas que sentissem a necessidade deles. A energia gasta na construção de um mecanismo para expelir a sonda da superfície terrestre só precisaria ser empregada uma vez.

A eficiência da sociedade está demonstrada com estas experiências imaginárias. O caminho menos energético com certeza é este que escolhemos.

Podemos fazer uma analogia com os elementos químicos. É difícil encontrarmos formas atômicas da maior parte dos elementos químicos. Geralmente os encontramos associados em substâncias puras, compostos covalentes ou compostos iônicos, muitas vezes associados em estruturas como cristais salinos, ou cristais de gelo, ou macromoléculas covalentes no caso do carbono. Estão sempre à procura de uma conformação mais estável, e a interação parece ser a chave para a estabilidade dessas substâncias.

Nos primórdios da vida terrestre, tínhamos cada ser vivo responsável por si. Cada um produzia ou adquiria seu próprio alimento e se encarregava de seu nicho. Porém, com o passar do tempo, alguns indivíduos foram se associando e foi nesse momento que o mecanismo evolucionário percebeu que a associação é o mais poderoso catalisador da evolução. Quando os seres se associam, menos energia é desperdiçada, pois cada vez mais um indivíduo pode cumprir seu nicho ou função sem sofrer interferências externas.

Hoje os carteiros dedicam-se à entrega de cartas o dia inteiro, sem se preocupar em confeccionar as próprias roupas. Ontem as células da gastroderme dos cnidários primitivos preocupavam-se com a digestão enquanto que os cnidócitos se preocupavam em paralisar a presa.

Associando-nos, fazendo amizades, interagindo, somos capazes de atingir horizontes antes incontempláveis. Horizontes que estavam do outro lado da colina da energia de ativação. Quando nos associamos, rebaixamos a colina e facilmente a vencemos. O nosso estado harmônico é atingido em muito menos tempo após a associação.

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