sexta-feira, 13 de julho de 2012

PARA UMA HIPÓTESE FÍSICA SOBRE A VIDA

Em seu livro “An Introduction to Information Theory: Symbols, Signals and Noise”, John Pierce discorre sobre o processo de especulação científica que precede esforços de desenvolvimento de teorias rigorosas em áreas jovens da ciência. A essa especulação ele chama “ignorância científica” e a diferencia da ignorância leiga. A ignorância científica seria a especulação que o cientista faz sobre o que ele acredita que possa vir a ser conhecimento científico de fato. Ela refletiria as esperanças e a motivação que o pesquisador tem em buscar um resultado desejado, mas que é ainda inalcançável dado o estado presente do conhecimento. Ela diferiria da ignorância leiga no que se baseia em fatos científicos e é capaz de direcionar o processo rigoroso do método científico à medida que avanços são feitos no determinado campo em que ela existe. Em “General Systems Theory”, Ludwig von Bertalanffy argumenta que modelos não-matemáticos são importantes, mesmo que pequem no caráter quantitativo e em seu poder analítico, pois, em épocas em que não há embasamento teórico suficiente para descrever precisa e rigorosamente um sistema, modelos “grosseiros” descritos em linguagem ordinária são o melhor recurso para esclarecer novos aspectos antes despercebidos e para preparar terreno para algoritmos matemáticos que forneçam descrições suficientemente precisas. Esses modelos são particularmente importantes quando comparados com modelos matemáticos que incorporem as restrições pertinentes de uma época incapaz de analisar o sistema em questão.

Essa ignorância científica é o que vou tentar aqui, ao apresentar não um modelo grosseiro, mas uma idéia em que basear um possível modelo para descrever a vida em termos físicos e quantitativos. Não há atualmente uma definição estrita sobre a vida e a natureza com que esse fenômeno se manifesta. Não há também nenhum artefato teórico para estabelecer uma ligação entre a vida e o corpo teórico que compõe a ciência atual. É inegável a influência que organismos vivos exercem sobre os sistemas que estudamos. Tentamos estudar os organismos vivos com os nossos conjuntos de conhecimentos físicos, matemáticos, químicos, biológicos, sistêmicos etc, tentamos aperfeiçoar nossos modelos mecanísticos para prever com mais precisão o comportamento e destino desses organismos e de seu ambiente e assim julgarmos conhecê-los mais a fundo. Conservamos as óticas cibernética, dinâmica, homeostática e heterostática, sem tentarmos expandi-las, não lhes conferindo a generalidade necessária para descrever adequadamente sistemas que consistam de organismos vivos.

A expansão que proponho é descrever a vida como uma propriedade física de sistemas definidos (ou não-arbitrários). A ponte entre a teoria física e a inexistente teoria da vida é a interação entre a tão chamada "matéria bruta" e a "matéria orgânica". Se tomamos um organismo vivo como um sistema aberto, podemos em princípio conhecer seu conteúdo energético total em um instante qualquer. Ao descrever o que afeta a energia interna de um organismo, devemos levar em consideração a propriedade "viva" do organismo, de maneira totalmente quantitativa. O caráter "vivo" de um organismo vivo, no que quer que consista, existe no mundo físico e portanto deve ser compatível com ele. Em outras palavras, não deve em hipótese alguma violar qualquer lei científica estabelecida, e se aparentar violar, nosso modelo físico atual é que necessitará ser modificado para abrigar as características que a nova "teoria da vida" requeira. Isso requer uma explicação exata do que seja a "vida" em si. Isso não é o que venho fornecer, tanto quanto não pretendo explicar a origem da força gravitacional ou da força elétrica. O que venho é sugerir que admitamos uma nova propriedade física da matéria, ainda inexplicável. A vida teria sua origem numa entidade física, digamos, por exemplo, uma partícula, provavelmente tão distribuída em nosso universo quanto sabemos que são distribuídas partículas e ondas. Assim sendo, mesmo sistemas desprovidos de organismos vivos conteriam um teor de vida quantificável. A vida seria uma propriedade não mais exclusiva de sistemas considerados organismos vivos.

A questão lógica que segue é: por que não observamos esse conteúdo vivo em sistemas compostos exclusivamente de "matéria bruta"? Minha opinião é de que, apesar de a vida ser em princípio "onipresente" (ou, melhor dizendo, distribuída de maneira relativamente uniforme), o conteúdo de vida é evidenciado em sistemas complexos. Se fôssemos dotados de métodos analíticos apropriados, poderíamos talvez mensurar o teor de vida de sistemas inorgânicos, como pedras, rios e estrelas, mas a olho nu e dentro do paradigma em que nos encontramos, somos capazes de enxergar vida apenas em sistemas que possuam complexidade suficiente. Explico com uma analogia: a carga elétrica é uma propriedade fundamental da matéria. Praticamente toda a matéria ao nosso redor é dotada de propriedades elétricas, e no entanto dificilmente somos capazes de notar esse caráter. Apenas somos capazes de perceber propriedades eletromagnéticas da matéria quando os sistemas que observamos exibem certos padrões, por exemplo, orientações paralelas de spins de elétrons em orbitais externos ou o movimento massivo de cargas de forma unidirecional. O comportamento coletivo de muitas partes permite que a manifestação da propriedade elétrica do sistema estudado seja observada e quantificada. Da mesma forma a vida é observada através da interação de muitas partes, e a minha sugestão é que a chave para uma interação que amplifique o nosso poder de detecção da vida seja a complexidade.

Sistemas moleculares são totalmente descritos por nós como autômatos. No entanto, tendemos a aceitar que a vida terrestre teve sua origem em sistemas de nível apenas molecular (por exemplo, o mundo de RNA). Tentamos aplicar a Teoria dos Autômatos a células inteiras já que sentimos que células não estão distantes o suficiente de sistemas moleculares. Ainda não parecemos capazes de perceber o caráter espontâneo da vida em sistemas dessa complexidade, mas em sistemas ainda mais complexos a Cibernética, a Teoria dos Autômatos e a Dinâmica de Sistemas falham em capturar características muitos evidentes e peculiares para nós. Não é necessário dizer que essas teorias "falham", se pensarmos que elas estão apenas incompletas para descrever organismos vivos. Mas mesmo que elas sejam expandidas, o caráter filosófico de "entidades auto-regulatórias" provavelmente passará por uma mudança irreversível.

Neste ponto, sinto que apresentei um argumento satisfatório para convencer de que é possível de fato conhecer organismos vivos, além de delinear as mudanças necessárias na teoria física e, com esperança, inspirar a busca por abordagens que visem averiguar esta hipótese. Existem implicações menos imediatas desse pensamento. Pensemos no que ocorre quando uma quantidade massiva de matéria é aglomerada em uma certa região, uma estrela, por exemplo. Uma estrela é dotada de um campo gravitacional magnificamente forte. Objetos ainda mais massivos, como buracos negros, em seu âmago chegam a nos fazer duvidar da validade dos nossos conhecimentos físicos. Por outro lado, quantidades massivas de cargas em movimento, como o núcleo externo (líquido) da Terra, assim como o interior do Sol e as suas erupções, dão origem a campos eletromagnéticos extremamente potentes. Seguindo a mesma lógica, podemos nos perguntar o que aconteceria caso houvesse um sistema extremamente massivo, mas complexo o suficiente para manifestar vida como ela é atualmente observável por nós. O que seria de um objeto com poder semelhante ao de um buraco negro ou uma estrela, mas com inteligência? E o que seria de nós caso conseguíssemos desenvolver tal entidade num futuro longíquo? Após essas considerações eu não estou mais tão convencido de que a mitologia grega é tão mitologia quanto nos gabamos de considerar que ela seja.

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