segunda-feira, 8 de novembro de 2010

SOBRE A TERMODINÂMICA DA SOCIEDADE, parte 1

Primeiro, uma introdução sobre a termodinâmica.

A maioria de nós está familiarizada com as leis da termodinâmica. Todos nós incluídos nessa maioria sabemos que essas leis se aplicam a todos os processos físicos. E, pensando bem, que processo não é físico, não é?

O fato é que qualquer processo que ocorra só pode se dar mediante uma transferência de energia. Já dizia o filósofo chinês, “espontaneamente” só ocorre aquilo que vai trazer mais harmonia para o ambiente. Isso quer dizer, por exemplo, que a água vai escoar de um nível de maior energia potencial para um de menor energia potencial, ou melhor, do topo de uma montanha para uma foz no oceano. E se por acaso nós levarmos um bocado de água para o vácuo do espaço, esse bocado escoará para todos os lados vaporizando-se. Ora, a água que desce do topo de uma montanha perde energia. Transforma energia potencial em energia cinética e devido à fricção com o sedimento do fundo e com o oceano, na foz do rio, dissipa essa energia cinética na forma de calor. A tendência é de que a água se acumule ao redor do centro da Terra, perdendo cada vez mais energia. É óbvio entretanto que a água não pode escoar até esse lugar porque muitas coisas estão ocupando o espaço abaixo da crosta terrestre. E, para que essa água tome o sentido inverso, para que ela flua seguindo uma direção em que sua energia potencial aumente, devemos fornecê-la energia.

Mas nós não podemos criar energia. Temos que tirar certa quantidade de energia livre de algum ponto e utilizá-la para provocar um deslocamento proporcional na água. Essa energia só pode advir de algum processo semelhantemente “espontâneo”. Ou seja, nós só conseguimos “desestabilizar” a água um pouco mais à custa de uma “estabilização” equivalente de outro sistema. E nós sequer somos capazes de desviar essa energia necessária de um sistema para o outro com eficiência total. Nós precisamos pegar emprestado um pouco mais de energia de um sistema do que é necessário para provocar uma transformação em outro sistema, dessa forma contando com a quantidade que certamente desperdiçaremos no processo.

Esses são uns dos princípios que regem todos os acontecimentos. Nosso corpo foi projetado de forma a utilizar a energia potencial dos alimentos para provocar alterações que vão contra o sentido de estabilização em nosso interior. Nossas células mantém a todo momento gradientes de concentração de solutos que não correspondem a equilíbrios espontâneos. Se uma pessoa não se alimenta, por exemplo, não consegue manter a consciência, pois não há energia disponível para que as células nervosas transmitam impulso nervoso (que é transmitido mediante uma alteração no potencial de membrana mantido artificialmente na superfície dessas células).

Tendo discutido sobre esses princípios e exemplos, podemos aplicá-los a tudo. Uma empresa pode desenvolver um cálculo que envolva eficiência logística, custo de produção, treinamento e outros parâmetros que dê a relação ideal entre eles para que o rendimento do capital investido seja máximo. Ou seja, quanto e como ela deve investir para lucrar e crescer ao máximo. Esse cálculo envolve, obviamente, o desperdício. A Manutenção é um setor que lida diretamente com o desperdício na indústria, mas esse desperdício pode se dar de inúmeras formas não contempláveis por esse setor.

Agora partamos para uma ligeira digressão.

Suponhamos que a humanidade tivesse se desenvolvido sob o modelo mais próximo de uma anarquia absoluta. Que dentro desse tal modelo, todo tipo de organização social fosse evitada. Dessa forma, um único humano teria de ser responsável por todas as tarefas a serem cumpridas de acordo com seu instinto de sobrevivência. Um escambo não seria permitido pelas condições da nossa suposição. Portanto, seria necessário que uma pessoa plantasse, colhesse, criasse seus próprios animais, coletasse ou adquirisse alguma forma de alimento por conta própria. Seria necessário que ela encontrasse ou construísse sua própria habitação.

Em nossa sociedade nós temos organizações que cuidam dessas e de inúmeras outras tarefas (muitas das quais apenas aqueles que trabalham especificamente nelas as conhecem). A razão para essa organização é simplesmente logística. Se você se perdesse numa ilha deserta, seria muito improvável que conseguisse manufaturar copos, louças, talheres, sanitário, escoamento de esgoto, geradores elétricos, geladeira, forno microondas, papéis de parede, vidrarias, tinta, canetas etc. mesmo que tivesse disponível todo o conhecimento necessário para isso. O gasto energético necessário para todas as “tarefas” desempenhadas por seres humanos na sociedade atual extrapola em muito o tempo de vida médio de uma única pessoa.

É bem mais plausível que uma pessoa execute uma tarefa específica durante toda a sua vida, produzindo mais do que é necessário para ela mesma, mas suprindo assim a necessidade de um número bem maior de pessoas. Esse caminho é “menos energético” em comparação com a nossa sociedade anarquista hipotética.

Imaginemos agora que uma pessoa decida sozinha, a partir de matéria prima extraída diretamente da natureza, por uma sonda espacial em órbita. Seria preciso que ela construísse um sistema complexo com a única função de cumprir essa tarefa, e uma quantidade descomunal de energia seria gasta. Se outra pessoa sentisse a necessidade de realizar a mesma tarefa, esta também despenderia uma quantidade descomunal de energia. Podemos ampliar este exemplo para um número qualquer de pessoas e aplicar para qualquer outro tipo de tarefa. Seria menos dispendioso se apenas uma pessoa se incumbisse de lançar a sonda na órbita terrestre e fornecesse os resultados para as outras pessoas que sentissem a necessidade deles. A energia gasta na construção de um mecanismo para expelir a sonda da superfície terrestre só precisaria ser empregada uma vez.

A eficiência da sociedade está demonstrada com estas experiências imaginárias. O caminho menos energético com certeza é este que escolhemos.

Podemos fazer uma analogia com os elementos químicos. É difícil encontrarmos formas atômicas da maior parte dos elementos químicos. Geralmente os encontramos associados em substâncias puras, compostos covalentes ou compostos iônicos, muitas vezes associados em estruturas como cristais salinos, ou cristais de gelo, ou macromoléculas covalentes no caso do carbono. Estão sempre à procura de uma conformação mais estável, e a interação parece ser a chave para a estabilidade dessas substâncias.

Nos primórdios da vida terrestre, tínhamos cada ser vivo responsável por si. Cada um produzia ou adquiria seu próprio alimento e se encarregava de seu nicho. Porém, com o passar do tempo, alguns indivíduos foram se associando e foi nesse momento que o mecanismo evolucionário percebeu que a associação é o mais poderoso catalisador da evolução. Quando os seres se associam, menos energia é desperdiçada, pois cada vez mais um indivíduo pode cumprir seu nicho ou função sem sofrer interferências externas.

Hoje os carteiros dedicam-se à entrega de cartas o dia inteiro, sem se preocupar em confeccionar as próprias roupas. Ontem as células da gastroderme dos cnidários primitivos preocupavam-se com a digestão enquanto que os cnidócitos se preocupavam em paralisar a presa.

Associando-nos, fazendo amizades, interagindo, somos capazes de atingir horizontes antes incontempláveis. Horizontes que estavam do outro lado da colina da energia de ativação. Quando nos associamos, rebaixamos a colina e facilmente a vencemos. O nosso estado harmônico é atingido em muito menos tempo após a associação.

sábado, 9 de outubro de 2010

SOBRE SIGNIFICADO E INFORMAÇÃO, PARTE 1

Façamos algumas experiências de pensamento. Imaginemos uma região delimitada do universo praticamente vazia, com exceção apenas de duas esferas geométricas maciças. Consideremos também algumas coordenadas, como a distância (d) e o tempo (t).

Ao dispormos essas duas esferas no espaço, sempre poderemos traçar uma reta que liga uma à outra, sempre haverá esse eixo. Vamos chamar de d a distância entre as esferas no instante de tempo t. Consideremos a nós mesmos como observadores externos desse sistema. Observando a situação inicial em que acabamos de dispor as duas esferas, notamos sua distância. Até então tudo o que fizemos foi montar o quadro estático das duas esferas dispostas no espaço. Vamos então "acionar o tempo".

Acionado o tempo, estudamos alguns acontecimentos. Primeiro caso: as esferas permanecem no mesmo lugar. A distância entre elas não se altera. Os únicos objetos no sistema não se movem. Segundo caso: as esferas se movimentam à mesma velocidade sobre o mesmo eixo. A distância inicial d entre as esferas não se altera. Nessa região do universo os únicos referenciais que podem existir são as esferas, ou escolhe-se uma ou escolhe-se outra, pois são as únicas coisas que existem. Pensemos como se nós não fôssemos autorizados a habitar ali. Não existe nada mais nessa parte do universo que aqueles dois objetos. Foi como se o sistema inteiro se deslocasse, enquanto que em seu interior foi impossível registrar alguma mudança, pois nada entrou, nada saiu e muito menos houve alguma mudança interna relativa. Terceiro caso: as fronteiras do sistema se movimentam dentro de uma região vazia do universo, sem nunca entretanto excluir uma das esferas do volume que cobrem. Nesse terceiro caso não podemos dizer que houve perda de informação, pois a quantidade de posições probabilísticas que as esferas podem ocupar permanece a mesma. E mesmo se as fronteiras se expandissem ou se contraíssem, ainda assim os centros das esferas ocupariam pontos infinitesimais, mantendo o cálculo probabilístico da posição das mesmas, sendo preciso apenas variar o parâmetro adotado para medida relativa de posição. A quantidade de informações que podem ser geradas é sempre a mesma.

Enfim, ao final desse primeiro experimento percebemos que, sem a variação relativa da posição dos objetos, nada de notável podemos inferir sobre eles. Ora, vamos comprovar essa afirmação.

Tomemos o eixo que liga as duas esferas uma à outra e provoquemos um deslocamento sobre as duas ao longo desse eixo em sentidos opostos (Podemos repensar isso deste modo: provoquemos um deslocamento nas duas esferas no mesmo sentido, porém com diferentes valores absolutos de velocidade). Ora, instantaneamente percebemos uma variação em d. Sentimos imediatamente a necessidade de utilizarmos a coordenada t para darmos a função de variação de d. Dizemos que entre os instantes t’ e t, a distância entre as esferas variou de d’ - d. Chamemos essa variação de Δd. Somos capazes de produzir em nossas imaginações inúmeras situações em que Δd > 0, ou que Δd < 0. Isso nos faz buscar, intuitivamente, uma forma de expressar um Δt em função desse Δd, e vice-versa, coisa que não acontecia de forma alguma durante o primeiro experimento.

Durante o primeiro experimento, não importava o fenômeno que estudávamos, não percebíamos qualquer alteração nas informações armazenadas dentro do sistema. Era como se o tempo não fosse necessário, pois nenhum tipo de informação era gerado a partir dele. Seria, grosso modo, algo semelhante a observar uma massa m de matéria no zero absoluto à uma distância infinita de todo outro tipo de objeto existente no universo.

Havendo, outrora, dois estados, duas imagens, uma registrando d e outra registrando d’, percebemos a geração de informação na forma de Δt. Talvez a informação gerada Δt não esteja ‘preocupada’ com os valores absolutos de d ou de t que representam os objetos nos instantes inicial e final (se t for escolhida como variável independente), mas a sua magnitude Δt pode ser interpretada em termos relativos à outras variações Δt’ ou à variações nulas.

O que isso quer dizer é que, pelo menos para um sistema mecânico, precisamos de algum tipo de variação nas coordenadas do sistema para inferir algo sobre ele.

sábado, 21 de agosto de 2010

SOBRE UM POUCO DA EXISTÊNCIA DE IDENTIDADE

John Doe desperta do sono. Após se livrar da languidez extasiante, prepara seus pensamentos para o dia que tem a “cumprir”. Estranhamente, o ambiente à sua volta não exibe nada do que ele se sente habituado a ver. Trata-se de uma superfície plana que se estende até o horizonte, sem nenhum tipo de acidente, que se põe abaixo de um espaço aparentemente vazio (provavelmente preenchido apenas por ar atmosférico), sem qualquer tipo de aglomeração de substâncias quaisquer. É notável o reflexo da cor branca pelo solo homogêneo, assim como pela atmosfera homogênea do lugar. Essa cor faz com que, no horizonte, a superfície e o que há (ou não há) acima dela se confundam.

A memória de John não se manifesta ativamente. Ele apenas busca saber o que precisa fazer. Não sente fome, não sente cansaço, não sente nenhum odor no ar. Não enxerga nada em qualquer direção. Porque não andar um pouco para ver o que está lá ao longe? Após vagar por um período tempo difícil de mensurar, a paisagem continua a mesma. John tem andado bastante, no entanto as coisas permanecem as mesmas.

Ele se atira no chão, e tenta analisar um pouco o solo onde pisa. Esse solo oferece uma base segura a seus passos, mas ao mesmo tempo é mais liso do que a pedra mais polida que ele jamais concebera em sua imaginação, e também mais duro e mais rígido do que pedra mais dura e mais rígida! Não transmite o som de uma pancada, não possui odor e é homogêneo até onde os sentidos conseguem alcançar! Mas o que há com esse lugar tão monótono???

Já prostrado no chão, Johnny deita-se e tenta adormecer na esperança de acordar em uma outra realidade. Sem idéia de quanto tempo se passou, abre os olhos novamente. A situação permanece a mesma. Põe-se novamente a andar.

Por mais que caminhe, por mais até mesmo que corra, não se cansa. Apesar de o corpo resistir, Johnny se zanga. Não possui mais espírito para se locomover. Passa a se questionar: de que adianta me deslocar por este lugar? Senta-se e busca refletir. Pensa então que não precisa mais do chão, seria mais fácil se não sofresse com esse limite. O que se esconderia por debaixo dessa superfície afinal? Não faria mais sentido que isso lhe fosse revelado logo? Ergue-se então e torna a andar, mas após poucos passos, perde o chão. Despenca. Está em queda livre, ganhando velocidade.

Não é possível enxergar nada além da imensidão branca, monótona, há luz emitida de todos os lados. Não parece haver limite para a queda de Johnny. Ele constata, contudo, que há uma atmosfera, pelo menos. Utiliza-se disso para alterar a direção de sua queda. Sente o modo com que o ar passa pelo seu corpo e o empurra em uma direção. Apesar da velocidade que adquire, não chega a nenhum lugar diferente. Está em queda por tanto tempo que já se acostumou com a resistência do vento. Pode se mover, mas, será que existe ar mesmo? Não há mais como dizer. A ausência de um ponto de referência o faz questionar sua velocidade. Não percebe o tempo que passou sem pensar nisso, mas não escuta mais nenhuma forma de som. Talvez realmente não haja ar passando através de suas orelhas. O fato de seu cabelo estar em pé deve ser baseado na ausência de uma força gravitacional então. Não há mais nada nesse lugar que possa exercer tal força sobre ele! Johnny questiona a necessidade então de coisas como força gravitacional e existência do ar. Nessas circunstâncias, pra quê precisaria disso?

E essa cor branca? De onde vem? Essa luz? O que há nesse lugar para ver? O que há nesse lugar para sentir? Pensa então que se por acaso fechar os olhos e se convencer de que ao invés de branco tudo se trata da cor preta, como se o branco viesse da própria cabeça, ao abri-los novamente não enxergaria nada, nada mais de branco por todos os lados. Assim tenta.

Ao abrir novamente os olhos, não há o que enxergar, está tudo escuro. Questiona então de quê que servem os seus membros. Para quê os quer agora? Já não os enxerga, e ao tentar tocá-los, constata que já não consegue mais.

Talvez isso tudo seja uma ilusão provocada pela imersão em um tanque de isolamento! Só pode ser! Mas não se lembra de nada de um possível momento anterior à imersão em tal tanque. O fato é que só restou ele e a própria consciência. É como se não tivesse mais acesso a nada além da própria imaginação. Se não existe outra coisa, pra quê ele existe então?

Só resta mais uma coisa desaparecer. Esse é o lugar onde nada existe além de uma coisa só. Johnny sente como se tivesse perdido seu significado, assim como o chão, o ar, a luz, a matéria.

Nada mais existe.

SOBRE UM POUCO DO SURGIMENTO DA IDENTIDADE


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SOBRE A EXTINÇÃO ABSOLUTA, parte 2

Será que o calor existiria caso não houvesse ninguém para o sentir?

Em definição física, o calor existe apenas como um conceito abstrato de transferência de energia. Ele é o fenômeno que ocorre quando energia térmica é transmitida de alguma forma de um objeto para outro, ou de um sistema para o ambiente e vice-versa. Em resumo, o calor depende da interação de dois objetos.

Se nós imaginarmos que o Sol fosse o único objeto no universo inteiro, uma vez que sua radiação fosse emitida, ela se propagaria indefinidamente pelo espaço (respeitando, é claro, as regras de expansão do universo). Desse modo, quanto mais passasse o tempo, menos concentração de energia luminosa estaria disponível por metro cúbico de espaço. No instante arbitrário em que a variação de tempo pudesse ser considerada infinita, não haveria mais nenhuma energia em todo universo, dado que o Sol já estaria morto.

Se ao invés disso, nessa realidade existisse além do Sol uma Lua também, quando a radiação solar atingisse o solo lunar, não se poderia dizer que a lua perceberia a energia transferida.

Em nossa realidade, contudo, nós existimos e a radiação solar nos atinge, e nós percebemos o quanto ela adiciona de energia aos nossos corpos. Quando a luz solar atinge um cadáver, nenhuma informação é gerada na consciência de humano algum, e, para descobrir que houve uma transferência de energia entre o Sol e o outro objeto inanimado, teríamos de submeter o cadáver à estudo. O único momento em que a energia seria reconhecida seria o momento em que um ser humano vivente descobrisse a sua história.

O que em essência essas palavras querem dizer é que um objeto inanimado por si só não é capaz de gerar informação. Voltando ao exemplo da partitura, temos que, por si mesma, a tinta numa folha de papel que em nossas mentes representa uma partitura não fornece nenhuma informação musical a nenhum tipo de receptor que não um ser humano educado em teoria musical! Da mesma forma, a existência da própria folha de papel não fornece nenhuma informação sobre si mesma a um ser vivo que não é capaz de compreender a função dela entre os outros objetos ao seu redor. É o mesmo caso de como levamos um consideração um grão de areia quando vamos à praia. O grão em si não existe, o que existe é a areia, e, em última instância, o que existe é “a praia”.

Ao entendermos uma folha de papel como “o que ela é”, estamos dando-lhe um significado que nós criamos e a partir desse significado a separamos do resto do universo. Não pensamos mais nela como um agregado de moléculas, e sim como um objeto maciço que serve para receber tinta. E da mesma forma fazemos com todos os objetos que tentamos conceber, muitas vezes generalizando, outras poucas vezes tentando focalizar o máximo possível na especificidade deles.

É por essa razão que, num universo onde existisse apenas o Sol e a Lua, a Lua não seria capaz de perceber o calor advindo do Sol. Não haveria, pois, nenhum significado ou conceito atrelado aos dois objetos. Como se pode dizer, afinal, que a energia que antes estava aprisionada em átomos de hidrogênio e que foi repelida numa explosão no interior do Sol deixou de ser caracterizada como “parte do Sol”? Certamente ninguém estaria lá para definir esses conceitos. A lei de equivalência entre massa e energia está lá pra comunicar que a natureza não se importa com a forma com que a existência se manifesta, ela continua sendo a mesma coisa que era antes.

Apesar de tudo isso, quando a energia solar nos atinge, um novo elemento é adicionado à equação. Não nos sentimos mais os mesmos, uma nova informação é então gerada. Não fomos nós que criamos o Sol a partir da nossa imaginação e através disso causamos a nós mesmos a sensação de calor, embora seja possível obter essa sensação a partir da imaginação, mas foi o próprio Sol que nos atingiu com sua energia e esta por sua vez foi capaz de estimular alguma alteração no nosso interior.

O Sol existe, mesmo que seja entendido apenas como um conceito abstrato até mesmo em nossas concepções científicas. Isso é fato dentro do contexto examinado nestas linhas, até aqui não se pôde provar o contrário. Contudo, aconteça o que acontecer com ele, o universo no interior e ao redor dele não sofrerá nenhuma alteração, a menos que essa alteração possa ser detectada. A variação de energia, a transmissão de energia precisa ser medida para que sua existência adquira significado. E, para efeitos de medição, ela só pode ser sentida. O calor, portanto, jamais existiria caso nós seres vivos não estivéssemos aqui para senti-lo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

SOBRE A EXTINÇÃO ABSOLUTA, parte 1

Será que a música continuaria existindo no dia em que não houvesse mais ninguém para ouvir?

É óbvio que não.

Atualmente nós nos utilizamos de vários meios para reproduzi-la, entretanto esses meios são unicamente baseados no mesmo princípio. Para que alguém possa falar em um instante, tenha o som de sua voz gravado em um objeto, e, num momento posterior, tenha sua voz reproduzida com imensa fidelidade, utilizam-se princípios bem simples. A fidelidade depende da sensibilidade do instrumento que detecta a alteração no ar do ambiente na hora da fala. Estimulado pela energia sonora viajando através das partículas de gás da atmosfera local, o instrumento imprime em algum outro objeto ou em um arquivo digital uma tradução das excitações elétricas causadas pela propagação da energia advinda da fonte sonora. Quanto mais sensível for o equipamento, mais fiel ao estímulo original será a tradução. Para a reprodução, é preciso apenas que uma nova fonte sonora leia a linguagem que o instrumento de gravação imprimiu, mas dessa vez traduzindo para o idioma original. Em alguns instrumentos, trata-se de uma tradução ‘energia sonora – sensíveis estímulos elétricos’ e vice-versa. E eis que mais uma vez a música surge, quando se põe um CD num CD player.

O mesmo tipo de processo ocorre quando se toca um instrumento musical qualquer. Dessa vez a tradução ocorre nesse sentido: ‘linguagem cerebral – músculos do corpo – instrumento musical’, e dessa forma acontece, nunca a música sendo reproduzida de uma maneira idêntica à anterior. É evidente que a perda de informação entre uma reprodução e outra ocorre devido à segunda lei da termodinâmica. A energia gasta para reproduzir a música da primeira vez não será toda aproveitada pelo instrumento de gravação, assim como este não conseguirá converter com um rendimento ideal a linguagem de estímulos elétricos novamente à energia sonora. Talvez, por uma extrapolação não intencional de informações, nós obtenhamos êxito em conservar nossos trabalhos musicais. Apenas a parte mais inútil de informação é desperdiçada, mas as instruções básicas para a reprodução de uma peça musical são perfeitamente conservadas. É para isso que a notação musical existe. Eletricidade e papel podem ser desperdiçados, mas a informação gravada através da notação permanece. Talvez, através disso, uma canção possa prolongar seu tempo de vida indefinidamente.

Mas e quando não houver ninguém para reproduzi-la? Uma folha de papel preenchida não fala por si mesma, e, em uma primeira análise, não passa de uma folha industrializada provinda de uma árvore, com um pouco de tinta em cima. Somente quando alguém traduz o que está escrito de volta em energia sonora é que a música pode ser novamente percebida. Mas não é na energia sonora que a música consiste. Após essa energia atravessar o meio atmosférico “de maneira quântica” até o interior do seu ouvido, após ser retraduzida em várias linguagens diferentes dentro do seu sistema nervoso, é que ela poderá ser montada novamente e de alguma forma você a percebe. Em resumo, ela acontece dentro de você e cessa instantaneamente no momento em que você não for capaz de reproduzi-la para si mesmo. De alguma forma, uma parte energia sonora consegue deixar o meio físico e empírico que nós conhecemos e se confundir em nossas cabeças com o interior de nós mesmos. Nossa mente precisa, afinal de contas, ser estimulada de algum modo pela energia sonora para que consiga interpretá-la, mesmo que a música aconteça simplesmente através de uma comunicação entre nós e nós mesmos ao ler uma partitura.

Por si só, uma partitura não tem nenhum significado, assim como uma pedra pode não lhe sugerir nenhum som se vista. Após a destruição da partitura, a possibilidade de reproduzir a música desaparece. Enfim, a canção em si nunca existiu, tudo o que existiu foi uma comunicação interna entre a pessoa e ela mesma durante o ato de escrita ou leitura da partitura. No final das contas, tudo recai sobre a sensibilidade do ser humano, no momento de receber de si mesmo o estímulo mencionado. Mesmo que seja um estímulo inspirado em forças externas.

Sem seres vivos, então, a música estaria impossibilitada de existir! Um CD, uma partitura, um arquivo mp3, nenhum desses objetos possui um significado musical! Apenas ao texto escrito neles pode ser atribuído algum valor. Contudo, a linguagem é ela mesma outra coisa abstrata! Assim como toda a matemática, a linguagem binária não fornece um objeto existente concreto, seja na forma de matéria, seja na forma de energia. Tudo isso só tem significado quando um ser humano lê e interpreta. Em resumo, toda a cultura musical perderia seu significado no caso da inexistência repentina da humanidade.

Honestamente, a última sentença foi um tanto infeliz. Seria melhor “toda a cultura musical perderia seu significado no caso da inexistência repentina dos seres vivos.” Agora sim, a frase está precisa. O interior de um ser vivo, o mundo percebido pelos seus sentidos, é esse o único meio onde é possível que a música exista. A essa altura, é com muito receio que falo na existência da música. Faço-o, entretanto, para manter a clareza.